Tribunal retirou a guarda de filha ao pai por este ser homossexual. Juízes consideram que «uma criança não deve crescer à sombra de situações anormais». Tribunal Europeu classificou decisão de «discriminatória» e condenou Estado português.
O Tribunal da Relação tirou-lhe a guarda da filha, depois de ter a custódia da criança, atribuída pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa. Qual o motivo da decisão? É homossexual.
O pai em causa, João Mouta, disse ao PortugalDiário que o Tribunal de Família sabia que ele era homossexual e vivia com o companheiro. Mesmo assim, o juiz considerou que «a mãe não se mostrava capaz de propiciar à menor a vivência equilibrada e tranquila que esta necessita. O pai mostra-se, nesta altura, mais capaz de o fazer. Para além de dispor de condições económicas e habitacionais para a ter consigo, mostra-se capaz de lhe transmitir os factores de equilíbrio de que esta necessita e respeitar o direito da menor em continuar a conviver regular e assiduamente com a mãe e os avós maternos».
«Este não é um ambiente salutar»
Dois anos depois, o Tribunal da Relação anulou esta decisão. No auto elaborado são claras as alusões à orientação sexual do pai. «Que o pai da menor, que se assume como homossexual, queira viver em comunhão de mesa, leito e habitação com outro homem, é uma realidade que se terá de aceitar, sendo notório que a sociedade tem vindo a mostrar-se cada vez mais tolerante para com situações deste tipo, mas não se defenda que é um ambiente desta natureza o mais salutar e adequado ao normal desenvolvidamente moral, social e mental de uma criança, designadamente, dentro do modelo dominante na nossa sociedade».
Os juízes consideraram ainda que «a menor deve viver no seio de uma família, de uma família tradicional portuguesa, e esta não é, certamente, aquela que seu pai decidiu constituir, uma vez que vive com outro homem, como se de marido e mulher se tratasse».
E acrescentam ainda que «não é este o lugar próprio para averiguar se a homossexualidade é ou não uma doença ou se é uma orientação sexual que preferencia as pessoas do mesmo sexo. Em qualquer dos casos estamos perante uma anormalidade e uma criança não deve crescer à sombra de situações anormais; di-lo a própria natureza humana» e acrescentam que «não está em causa o amor que o apelado tem por sua filha, nem sequer a sua idoneidade para dela tratar durante os períodos em que ela lhe seja confiada».
Assim, a guarda da filha foi entregue à mãe, tendo o pai direito a visitas segundo um regime estabelecido que a mãe acabou por não cumprir, já que «fugia com a minha filha para que eu não pudesse estar com ela», explicou.
Decisão foi um marco no panorama jurídico europeu
Não conformado com esta situação, João Mouta recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que considerou que a decisão da Relação foi discriminatória e teve em conta a orientação sexual do pai, tendo condenado o Estado Português. Esta decisão serviu para criar jurisprudência para os restantes Estados-Membros nesta matéria.
Não teve contudo, efeitos no que diz respeito à regulação de poder paternal e João Mouta acabou por perder o contacto com a filha, já que a mãe fugiu com ela. «Todos os apelos que fiz ao tribunal de nada serviram. Não fizeram nada», lamenta.
Esta semana, um juiz espanhol retirou o poder paternal a uma mãe, por esta ser lésbica. No auto, o magistrado fundamenta a decisão afirmando que homossexualidade da mãe «prejudica» e «aumenta o risco» de que as menores também sejam homossexuais. O caso, que até já motivou uma investigação do Tribunal Superior de Justiça de Múrcia.
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